“Leio alguns salmos de lamento ou
súplica e fico com a impressão de que muitas vezes nossa ‘alma’, isto é, nossas
emoções, não respeita nossa fé. Nos salmos 42 e 43 há um refrão que diz: “Por
que estás abatida, ó minha alma, por que te perturbas dentro de mim? Espera em
Deus, pois ainda o louvarei, minha salvação e meu Deus” (42.5,11; 43.5).
Retrata alguém tentando convencer a sua alma (a si mesmo) a confiar em Deus.
É interessante o contraste entre as
descrições de Deus e de si mesmo. Deus é minha salvação, meu Deus (42.5,11),
Deus vivo (42.2), concede a Sua bondade (42.8), é o meu cântico (42.8), minha
rocha (42.9), minha fortaleza (43.2), minha grande alegria (43.4). Por outro
lado, o salmista diz: derramo a minha alma (42.4), minhas lágrimas têm sido meu
alimento (42.3), minha alma tem sede de Deus (42.2). Ele pergunta: quando irei
e verei a face de Deus? (42.2), por que Te esqueceste de mim? (42.9), por que
ando lamentando por causa da opressão do inimigo? (42.9; 43.2), por que me
rejeitaste? (43.2).Como alguém que crê em Deus como rocha, salvação e grande alegria pode lamentar dizendo “por que me rejeitas? Por que ando lamentando? Por que Te esqueceste de mim?”.
As figuras que o salmista usa para
descrever Deus denotam solidez, confiança, proteção. Deus é rocha, fortaleza,
meu auxílio, minha salvação. Mas as perguntas e a descrição de sua própria
situação denotam fragilidade, necessidade, perturbação, fraqueza. A alma tem
sede, está longe de Deus, o salmista foi esquecido e rejeitado por Deus e está
sob opressão.
Vejo nesses salmos e em outros salmos
de lamento aquilo que chamo de a ‘alma não respeitar nossa fé’. Pela fé
afirmamos e queremos confiar que Deus é rocha, é fortaleza, é nossa grande
alegria. Queremos esperar nEle, que é nosso auxílio e nosso Deus. Porém os
conflitos, aflições e sofrimento nos abalam e perturbam a ponto de nós
estranharmos nossas emoções. É como se intensos sentimentos, emoções e
pensamentos estivessem sabotando nossa confiança em Deus. O salmista estranha a
sua alma e tenta convencer a si mesmo a esperar em Deus, a quem ele ainda
haveria de louvar.
Esse salmo tem uma boa notícia e uma
má notícia. A má notícia é que parece que as circunstâncias não mudaram. Pelo
menos não há nenhuma indicação nesses salmos (42, 43) de que a situação do
salmista tenha mudado, isto é, que a opressão do inimigo tenha cessado. Pelo
contrário, ele suplica que Deus defenda a sua causa diante da nação ímpia
(43.1), que envie a Sua luz e verdade para o guiar (43.3), e se compromete a,
no futuro, ir louvar a Deus em Seu altar (43.4).
A boa notícia é que, embora as
circunstâncias não tenham mudado, a sua confiança está sendo restabelecida. Enquanto
lágrimas tomam conta dele noite e dia (42.3), elas são substituídas pela
bondade durante o dia e pelo canto à noite (42.8). A oração não levou a uma
mudança imediata das circunstâncias, mas revigorou sua confiança.
O lamento, o luto, a queixa diante de
Deus têm essa capacidade: transformar nosso choro em sorriso, ainda que as
circunstâncias não tenham mudado.”
:: William Lacy Lane
(Billy) Ultimato